Dez
leprosos se aproximam de Jesus. Jesus não se afasta, mesmo sabendo que poderia
se contaminar com a doença e ficar impuro para os judeus, de acordo com a lei
de Moisés. Mas no Reino de Deus, que Jesus veio instaurar, não há pessoas
impuras por causa de doenças ou prescrições legalistas. A impureza brota de
dentro do ser humano, de um coração mau. Por isso, a necessidade da conversão
do coração.
Mas
em vez da cura, Jesus lhes dá uma ordem: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”
Ordem ou desafio? Para um leproso se apresentar a um sacerdote ele precisaria
já estar curado. Implicitamente, então, Jesus desafia a fé daqueles homens
sofridos. O Mestre de Nazaré crê na capacidade de superação de cada pessoa
mesmo em situações limite.
E
eles partiram, e eles ficaram curados, e eles prosseguiram para serem
reabilitados na religião judaica. E um deles voltou. Voltar, nos Evangelhos,
carrega uma significação forte – de mudança de rota, de retorno a Deus, de
conversão. Voltou também porque era samaritano, um excluído do judaísmo, da
religião oficial. Sua impureza era dupla. Mesmo sem lepra continuaria à margem.
Mas agora percebeu que havia algo novo.
A
cura de Jesus não julga o destinatário. Ela é extensiva a todos, pois é fruto
de total gratuidade. A generosidade radical de Jesus constrangeu aquele ex-leproso
e ele voltou. Não para um aperto de mão, como que para cumprir uma obrigação
social, um ato moral ou uma convenção cultural. Não foi para dizer “obrigado”.
Curiosamente,
na língua portuguesa, usamos a palavra “obrigado” para verbalizar nosso
sentimento de gratidão. Porém, na etimologia da palavra está inserido o
sentimento de obrigação, como que se eu devesse uma retribuição àquele que me
fez um favor. O uso em nossa cultura também expressa esse sentido, pois é nossa
obrigação dizer “obrigado” quando alguém nos faz um favor, até os mais simples,
como abrir a porta do elevador. Tornou-se uma regra de convivência social
básica.
O
samaritano voltou glorificando a Deus, exultando de alegria, e se atirou aos
pés de Jesus, com o rosto por terra para agradecer. Um ato de pura gratuidade.
Ele realizou o mesmo ato da prostituta perdoada. Percebeu que foi amado,
compreendeu o mistério da gratuidade de Deus e lançou todo o ser em retribuição. “Amor
com amor se paga”, diz o provérbio popular.
Jesus
lança, mais uma vez, questionamentos para nossa reflexão: “Não foram dez os
curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória
a Deus, a não ser este estrangeiro?” Poderíamos responder: ora, Jesus, eles
foram fazer o que você mesmo ordenou! E Jesus talvez retrucasse: mas o Reino de
Deus está além da observância de regras... Foi a isso que Jesus convidou o jovem rico –
ir além dos mandamentos.
O
grande mandamento é o amor (aí também um grande paradoxo). Também nele está incluído as práticas religiosas –
as mesmas que Jesus nos ordenou que fizéssemos. Mas sem o amor com a entrega total
do coração, cumprimos as obrigações, como os nove leprosos, mas nos afastamos
da presença de Jesus.
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